segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ano Novo, novas atitudes


Estamos caminhando para o fim de mais um ano. O ano já acabou e com isso deixará reflexões e sentimentos dos mais diversos. Saudades daqueles que perdemos; frustrações por não termos realizado o que planejamos, alegria pelas conquistas, encontros e realizações. Esse turbilhão de sentimentos se reúne à mesa de reflexões de nossa alma. Sonhos, projetos e esperanças começam a ser construídos novamente, ao passo que o desejo de concretizá-los escancara as janelas da alma.

O fato é que sempre nos comportamos da mesma maneira quando recebemos um ano novo. Compramos uma agenda nova, roupas novas, pintamos nossas casas, planejamos ler alguns livros, iniciamos mais uma leitura bíblica anual, traçamos alvos e mais alvos ... Enfim, chegamos ao final de mais um ano, olhamos para trás e nos deparamos com a realidade frustrante de não termos conseguido concretizar sequer a metade do que planejamos fazer.

Quantas vezes planejamos ler a Bíblia em um ano e não atravessamos sequer o Mar Vermelho em nossa leitura? Quantos livros planejamos ler e sequer os folheamos? Quantas atitudes pensamos em empreender e permanecemos inertes na estagnação? Quantas visitas prometemos e não as fizemos? Quantos planos engavetamos? Quantas coisas empoeiradas nas prateleiras da vida? Quanto tempo perdemos? Quantas vidas deixamos de impactar sufocados na correria do cotidiano?

Certa vez Jesus disse: “Ninguém põe remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo tira parte da veste, e fica maior a rotura. Nem se põe vinho novo em odres velhos; do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam”.


É lógico que Jesus não está falando de reveillon. Na verdade estava falando sobre mudança de tempo, referindo-se à sua vinda inicial redentora e a sua futura segunda vinda no Juízo. Enfim, o pano de fundo é o início de um novo tempo. Aproveitando a lição dessas palavras do Senhor Jesus nessa virada de ano, é preciso refletirmos que nenhum ano será realmente novo se continuarmos com as mesmas atitudes do ano velho

Para que tenhamos um ano realmente diferente precisamos mudar totalmente as nossas atitudes. Não adianta permanecermos com a mesma atitude interior, com a mesma maneira de encarar a nossa existência e costurarmos remendos em algumas áreas de nossas vidas. Assim como um remendo novo em pano velho não é capaz de resolver rupturas, assim também medidas paliativas sobre problemas estruturais na nossa alma não são capazes de produzir mudanças de verdade.


Semelhantemente, um odre velho não pode receber um vinho novo. Ora, o vinho novo continua a fermentar aumentando a pressão sobre o couro envelhecido que não suporta e se parte. Assim também, em nossas vidas, recebermos um ano novo repleto de novos desafios com as estruturas velhas de sempre, é o mesmo que sentenciar o próprio insucesso.


Se quisermos de fato ter um ano novo, precisamos fazer uma reengenharia em nossa maneira de viver no que for preciso, mudar radicalmente nossas atitudes infelizes e a maneira de encarar a vida e seus desafios. Não há vitória sem luta, não há glória sem sacrifício. Não há receita fácil para termos um ano novo realmente novo e diferente, senão uma mudança firme no nosso interior. É olharmos para o ano velho, os erros cometidos, as posturas infelizes, a ingratidão que demonstramos, as decepções que causamos e reordenar tudo construindo de fato um novo ano.



Melhor do que comprar roupas novas em shoppings é vestir-se com a roupa nova que expresse uma real mudança interior. O ano que vem não será um ano novo se continuarmos a cometer os mesmos erros do ano velho. É momento de reflexão, de se examinar. É necessário acertarmos os ponteiros de nossas vidas para recebermos o novo ano como uma dádiva de Deus, como uma oportunidade nova, como um caderno em branco e, assim, construirmos um calendário realmente abençoado por Deus.

Feliz Ano Novo com novas atitudes!

André G. Bronzeado

sábado, 20 de novembro de 2010

PROVAÇÕES E MATURIDADE CRISTÃ



“Meus irmãos, considerai motivo de grande alegria
o fato de passardes por várias provações,
sabendo que a prova da vossa fé produz perseverança;
e a perseverança deve ter ação perfeita,
para que sejais aperfeiçoados e completos,
sem lhes faltar coisa alguma”. (Tiago 1:2-4).

Ao escrever sua epístola, Tiago inicia sua série de ditos tratando de como nós cristãos devemos nos comportar nas oscilações da vida. Esse tema é extremamente pertinente para os crentes de todas as épocas, pois nos apresenta instruções de como devemos nos comportar nos momentos altos e baixos, na aflição na vida pessoal e na vida dos semelhantes, nas dificuldades econômicas e profissionais e em todo tipo de situação de dificuldade.

É natural que identifiquemos um paradoxo entranhado nas palavras de Tiago ao abrir sua carta. A mente humana naturalmente questiona que alguém possa ter “grande alegria” em momentos de desconforto. Isso é natural. Parece que o escritor bíblico nos estimula a suportar o insuportável. 

Precisamos lembrar que Tiago escreve tais palavras sob inspiração divina. Há um Deus soberano por trás de cada palavra; há um Deus que controla toda e qualquer tempestade e que deseja que saibamos que Ele usa até mesmo situações desconfortáveis como prova de amor e cuidado, objetivando nos moldar o caráter.

A tradição da igreja antiga nomeia como autor dessa epístola o irmão mais velho do Senhor Jesus, Tiago. O escritor saúda a Igreja do Senhor com alegria, informando-nos que, como cristãos, podemos e devemos nos alegrar nas provações. 

Tiago escreve às Doze Tribos da Dispersão, provavelmente cristãos dispersos por causa da perseguição que ganhava força a partir do ano 44 d. C. em Jerusalém, lugar onde ele desenvolvia um proeminente ministério pastoral. Parece que o autor escreve às suas próprias ovelhas dispersas, uma expressão de cuidado pastoral.

Ao tratar desse assunto, Tiago desconstrói todo e qualquer pensamento que expresse a idéia de que a vida cristã tem o clima de “mil maravilhas”. O escritor aponta na direção que os cristãos passarão por várias provações em suas vidas e devem encarar isso com contentamento e alegria.

Talvez os cristãos do primeiro século pensassem: “como seria bela a vida, se não existisse isso!” Atualmente ouvimos pregações mentirosas que atendem a este desejo humano e apresentam uma vida cristã sem problemas, sem sofrimento, sem cruz. 

Estamos vendo crescer uma geração de crentes que busca em Jesus Cristo apenas sua satisfação pessoal. Se olharmos para um lado enxergamos a teologia do “pare de sofrer”; se olharmos para outro lado assistimos a formação de um exército de “super-crentes”. Cria-se com isso a ideia equivocada de que crente não passa por problemas, dificuldades, desertos e tempestades na vida. Na mente de alguns, qualquer situação negativa aos olhos humanos na vida de alguém, pode ser sinônimo de sua vida pecaminosa oculta. “O que você anda fazendo?” - Quem nunca ouviu esta pergunta?

O fato é que o nosso Deus é soberano e usa as mais diversas e até amargas situações para nos ensinar e nos fazer crescer. Ora, de repente precipita-se sobre nós uma aflição vinda de forma inesperada como uma tempestade. Ficamos deprimidos e arrasados. Sentimo-nos solapados por ventos impetuosos e ondas ávidas por nos tragar. Nesse momento devemos orar ao Senhor com contentamento. Podemos até perder tudo, mas devemos desejar nunca perder a lição que esse sofrimento nos traz. O nosso Deus nos ensina: “[filhos], deveis e podeis vos alegrar com vossas tribulações”. 

O termo grego para “prova” é peirasmós e significa de um lado “tentação”, “sedução”, e de outro, “teste”, “provação”. Nesse contexto, o termo é utilizado para tratar de situações em que não é fácil permanecer mantendo nossa vontade submissa à vontade de Deus. De fato, não é fácil se manter alegre em situações difíceis que enfrentamos na vida. É importante, por outro lado, percebermos que nem todas as situações difíceis são “coisa do diabo”. É imprescindível percebermos que Deus usa diversas situações para nos fazer crescer em alguma área de nossas vidas e até mesmo para nos preparar para livramentos futuros. 

O próprio Satanás só age até onde Deus permitir. É preciso crermos firmemente na soberania do Deus ao qual servimos; Ele tem o controle de toda e qualquer situação, portanto, é necessário que descansemos nele com alegria, mesmo quando nos deparamos com uma incômoda provação.

Em situações difíceis, o inimigo comumente detecta uma chance para si, ao passo que ele visa nos levar ao ponto de nos separarmos da boa vontade de Deus. Sob esse aspecto a situação constitui para nós tentação, sedução. Deus, porém, deseja que também nessa situação preservemos para com Ele a confiança e obediência. Sob esse aspecto a situação torna-se para nós uma prova. O fato é que, como já dissemos, Deus usa até mesmo as provações para moldar nosso caráter, para nos fazer crescer, para nos aperfeiçoar. O inimigo tenta transformar momentos difíceis em tentações, para que caiamos; mas Deus visa transformar tais momentos em testes, para crescermos e sermos aprovados.

Nesse sentido, já é possível olharmos para as provações sob outra óptica. A verdade eterna que Tiago visa imprimir no coração de seus leitores no texto 1:1-18 é que Deus usa as provações como instrumento de bênção para que tenhamos maturidade cristã. Tiago nos leva então à reflexão de como devemos nos comportar em meio às provações da vida. À luz desta mensagem, que atitudes devem fazer parte de nossa conduta em meio às provações?

Primeiramente, devemos nos alegrar com as provações (v. 2-4). De forma imperativa Tiago chama a atenção dos irmãos ao fato que eles devem considerar motivo de grande alegria o fato de passarem por várias provações. Vejamos que o escritor faz uso de um imperativo (uma ordem): “considerai”. Outro detalhe importante que encontramos no texto é exatamente o fato que a alegria nas provações não deve ser vazia, mas sim uma grande e verdadeira expressão de júbilo. O texto enfatiza: “grande alegria”.

Embora essa ideia seja um inquestionável paradoxo, quando descobrimos a relevância e o propósito nos sofrimentos pelos quais passamos, entendemos o porquê de Tiago afirmar que devemos exultar de alegria quando passarmos por provas em nossas vidas.

É exatamente por não ser fácil de compreender esta verdade que inspirado por Deus Tiago nos informa a segunda atitude que devemos ter diante das provações, qual seja, devemos pedir sabedoria a Deus (v. 5-7). Ora, sabedoria é discernimento, aprendizado, prudência. Precisamos de sabedoria do alto para vermos além das circunstâncias terrenas. Carecemos de sabedoria para vermos nossas provações como um ambiente de amadurecimento em Cristo (v. 9-11). Sem a sabedoria de Deus - que é a fonte de toda sabedoria - seria impossível encararmos as provações com contentamento.

Fritz Grünzweig, ao comentar a epístola de Tiago, afirma com propriedade que “os cristãos favorecidos não são aqueles para os quais tudo corre às mil maravilhas, mas aqueles nos quais os testes se tornam cada vez mais difíceis”. É assim a vida cristã e por isso devemos pedir com fé sabedoria a Deus para encararmos as provas e entendermos qual o propósito de Deus.

Além disso, diante das provações devemos ser perseverantes (v. 12-15). O termo grego para “paciência” é hypomoné” e significa também “perseverança”, “constância”, literalmente que dizer “permanecer por baixo”, debaixo das condições difíceis, das tarefas onerosas, dos sofrimentos físicos e psíquicos etc. Nesse contexto, a Palavra nos adverte a permanecermos debaixo de Deus e de sua vontade, no lugar em que ele nos colocou, mesmo em meio às provações.

O fato é que as adversidades da vida nos fazem naturalmente perder a paciência. É no mínimo paradoxal, porém as adversidades nos fazem nos agarrar em Deus e nos desafiam a ter uma atitude de paciência em meio às situações difíceis da vida. Sabemos que podemos esperar em Deus nas provações. Deus nos socorre na aflição e, na hora certa, também nos ajuda a sair dela.

É interessante que Tiago nos versos 13-15 nos adverte sobre o fato que não devemos confundir provação com tentação. Isto ocorre porque na visão do inimigo as provações são uma chance para que ele nos induza à revolta contra Deus, ao ponto de nos separarmos da boa vontade de nosso Pai Celestial.  Por outro lado, porém, Deus deseja que nessa situação sejamos perseverantes preservemos para com Ele.

O fato é que Deus realmente usa as provações para moldar nosso caráter, para nos fazer crescer, para nos aperfeiçoar. Isso demonstra o quanto é necessário passarmos por provações e perseverarmos no Senhor, sabendo que Deus a ninguém tenta e Ele quer que suportemos as provações descansando na Sua soberana vontade.

Por fim, Tiago conclui dizendo que devemos entender que as provações objetivam nos aperfeiçoar (v. 16-18). Às vezes pensamos que sendo protegidos de situações conturbadas no nosso dia-a-dia teremos uma vida perfeita, porém a proposta de Deus é exatamente inversa: é justamente sob as muitas dificuldades que deve e pode acontecer que cheguemos ao alvo de uma obra vital redonda, completa e agradável a Deus.

Tiago afirma que “Toda boa dádiva... todo dom perfeito... vêm do alto e descem do Pai” e que “Ele nos gerou [...] para que fôssemos como os primeiros frutos de suas criaturas”, ou seja, Deus deseja que nós cresçamos em maturidade e intimidade com Ele para que sejamos perfeitos. Os comentadores da Bíblia de Genebra apontam para o fato que “A humanidade redimida é o ápice da criação de Deus”. Deus deseja que cresçamos, que nos santifiquemos, que sejamos irrepreensíveis.

O que está em jogo diante de Deus não é apenas o que realizamos, mas sobretudo o que somos. Em seu dia nosso Senhor deseja apresentar irrepreensíveis as pessoas que lhe foram confiadas pelo Pai, a si mesmo e depois ao Pai, como pessoas inteiras. O apóstolo Paulo escrevendo aos filipenses afirmou: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Aos tessalonicenses o apóstolo escreveu: “O Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis no futuro de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama; o qual também o fará” (1Ts 5.23s)

Portanto, caro leitor, concluímos que de fato devemos considerar motivo de grande alegria quando passamos por provações, pois elas são o sinal de que Deus deseja nos tratar e nos proporcionar maturidade como seus servos. Mais do que isso, as provações são uma demonstração que Deus nos ama e se importa conosco. Devemos, pois, nos entregar a Deus, nosso Pai, entendendo que as provações são uma necessidade e devem produzir em nós alegria, busca por sabedoria do alto, perseverança e aperfeiçoamento. 

André G. Bronzeado

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

DEMONIZAÇÃO DE CANDIDATOS



A intolerância religiosa e a afronta à democracia.
Queridos leitores, quero mais uma vez escrever e refletir sobre o comportamento de muitos cristãos no processo eleitoral que estamos vivendo. Infelizmente, outra vez sou impulsionado a escrever como resposta ao que tenho acompanhado com tristeza na Internet. Como disse no texto anterior, o que mais tem me impressionado nessas eleições é o comportamento de muitos crentes e igrejas no contexto nacional e estadual, praticando terrorismo gospel e demonização de candidatos.
Tenho dito a alguns amigos que nunca em minha vida me envolvi tanto em uma eleição como desta vez. Primeiramente, o meu envolvimento é reflexo natural da minha consciência política e da prática da cidadania, porém, o diferencial para mim tem sido o combate que tenho feito a factóides políticos, a denúncia contra a demonização de candidatos e o repúdio à propagação de mentiras por muitos crentes. Tenho sido impulsionado pelo senso de justiça que mora em meu ser. Orgulho-me de ter em meu peito a bater um coração que me confere a coragem de ter voz profética semelhante à de Lutero, bem como me alegro por ter uma mente livre e convicta que imprime força às palavras que escrevo tal como Calvino.
É inspirado no testemunho desses dois grandes nomes da história do protestantismo, homens dignos que não se renderam à mentira, antes a enfrentaram na defesa da verdade ainda que isso lhes custasse a vida, é que registro minha indignação pelo que tenho visto no comportamento de muitos crentes que se tornaram massa de manobra de propagação de mentiras nessas eleições.
Sou grato a Deus pelo apoio recebido de vários amigos, crentes ou não, que até chegaram a me pedir que escrevesse estas palavras. Essas pessoas que não se rendem nem se vendem, que não abrem mão de seus mais valiosos princípios cristãos por interesses secundários (e até corruptos), pessoas que entendem que dependem do Senhor e não da “peixada” do governo, são uma inspiração constante para mim na defesa da verdade.
Pois bem. Desta vez o mais novo factóide diz respeito à suposta consagração da cidade de João Pessoa a Satanás que teria sido feita pelo candidato ao governo do Estado pela Coligação “Por Uma Nova Paraíba”, o ex-prefeito Ricardo Coutinho. O fato é que foram produzidos panfletos caluniosos, tendo sido distribuídos em vários bairros e igrejas na capital de nosso Estado com o seguinte título: Todos sabem, e já não é novidade que Ricardo Coutinho consagrou João Pessoa a Satanás, num terreiro de macumba”.
Não bastassem os folhetos, logo este material foi amplamente propagado na internet, principalmente por pessoas evangélicas. Diga-se de passagem, muitos desses propagadores nunca enviaram para ninguém alguma reflexão da verdade bíblica, mas não sei o porquê de tanto interesse em divulgar essa mentira (aliás, até suspeito...). Outros, porém, acompanharam a onda da propagação sem perceber o que estavam fazendo. Alguns destes até chegaram a enviar outro e-mail apontando o caráter calunioso do referido texto e pedindo desculpas. Isso é o mínimo que se espera de pessoas que procuram pautar suas vidas com a verdade.
Antes de tratar sobre o conteúdo da mensagem, sinto-me obrigado a dizer que me sentiria envergonhado de propagar uma porcaria dessas que, além de tudo, é horrivelmente mal redigida ao passo que fulmina as regras básicas de ortografia, sintaxe e regência, além de “assassinar” a teologia bíblica. Como se não bastasse, o texto termina com uma recomendação super interessante: Oração de São Miguel Arcanjo – Importante fazê-la após ler o e-mail”.
Meu Deus, que contradição! Muitos crentes batem, batem e batem nos católicos romanos em defesa cega de sua religião, chamando-os de pagãos e de idólatras. Agora, fico a pensar em uma coisa: Por que, para defender claramente interesses políticos, apelamos para a oração de São Miguel Arcanjo? Com todo respeito ao catolicismo romano, não entendi essa dos crentes! Quer dizer... acho que entendi! Em jogo sujo vale tudo para se atingir o final desejado.
Mas não é só isso! Não bastasse o texto ter assassinado a língua portuguesa e a teologia bíblica junto, a mente brilhante que o produziu não o assinou. Ao fazer isso, esta criatura simplesmente cometeu o crime eleitoral de encaminhar e-mail apócrifo com calúnias contra candidato, prestando um desserviço ao processo democrático e transgredindo, inclusive, o Art. 5º, IV, da Constituição Federal e os artigos 57-C, 57-D e 57-E da Lei nº 12.034/2009, conduta esta passível de denúncia à Procuradoria Geral Eleitoral, para aplicação das sanções devidas. Diga-se de passagem, o verdadeiro autor do texto não teve a coragem de assiná-lo, mas ainda assim, mesmo sem averiguar a veracidade das informações, muitos crentes não apenas assinaram em baixo, como também enviaram o e-mail para todo mundo.
Em síntese, o e-mail traz algumas acusações. A primeira delas diz respeito ao suposto fato que Ricardo teria consagrado João Pessoa a Satanás, tendo sido postada uma foto dele sentado na mesa com representantes de religiões africanas.
Pesquisando a origem da foto é possível verificarmos que não foi produzida em um terreiro de macumba, mas sim em uma sala de aula de uma escola municipal por ocasião de evento comemorativo ao dia da consciência negra, no qual participaram lideranças da cultura e religião negras. É possível identificar na foto a presença de professores que participam do movimento negro da Paraíba, como o Prof. Lucio Flávio. Ricardo Coutinho, como prefeito da cidade, participou institucionalmente do evento, como a própria atividade de governante de uma sociedade plural lhe exige.
Sobre este assunto, muito bem falou em seu texto “Satanismo Teocrático”, o Excelentíssimo Procurador do Trabalho, Dr. Eduardo Varandas, de quem tive o prazer de ser aluno, ao afirmar que: “Primeiramente, um candidato a governador, independente do seu credo, tem que saber dialogar com todas as religiões, sem preconceito e sem discriminação. O fato de o candidato sentar-se à mesa com babalorixás e ialorixás não significa nada além da mentalidade aberta para ouvir os clamores de um segmento do povo para o qual pretende governar. Depois, lembrem os cristãos xiitas de que o respeito é uma forma de amor, e amar ao próximo independentemente de seu credo não é uma faculdade, é uma ordenança divina”.
O e-mail continua com as acusações no sentido de afirmar que Ricardo Coutinho teria assumido o compromisso de colocar estátuas pagãs (do Diabo) em entroncamentos de João Pessoa, num total de sete, por ser o número de Satanás. Bem, eu aprendi na salinha de crianças da Escola Bíblica Dominical que o número sete é freqüentemente usado nas Escrituras para significar inteireza e/ou perfeição e não o número do Satanás! Parece-me que na mente de alguns, é melhor acreditar nessa heresia do que no ensino bíblico.
Segundo o e-mail, Ricardo teria iniciado a construção de estátuas em João Pessoa para “materializar a consagração da nossa Capital paraibana a satanás. E, a primeira estátua colocada por Ricardo Coutinho tinha que ser o PORTEIRO DO INFERNO, que representa aquele que não precisa de chaves para entrar no Inferno”.
A obra apelidada de “Porteiro do Inferno” é uma escultura em metal fundido criada na década de 1960, cuja autoria é do premiado artista plástico campinense Jackson Ribeiro. A escultura se chama apenas "O Porteiro" e o acréscimo no nome foi dado pelo poeta Virgínius da Gama e Melo, por achar a obra tão feia que mais parecia (no seu modo de ver) o porteiro do inferno.
A escultura foi instalada em 1967 num canteiro entre o templo da Primeira Igreja Batista e o Liceu Paraibano, tendo sido retirada para uma reforma e colocada no Espaço Cultural, sendo finalmente colocada no contorno da UFPB na entrada do Castelo Branco, onde repousa atualmente.
O e-mail continua alegando que a escultura “Infeliz das Costas Ocas” teria sido construída na entrada do Bairro de Mangabeira. Na verdade, o nome da escultura é As Bênçãos a Nossa Senhora das Neves, de Marco Aurélio Damasceno. A escultura retrata uma imagem católica e fica no trajeto de procissões tradicionais da cidade.
O e-mail ainda afirma que Ricardo teria colocado a escultura “cavalo do cão” em um contorno da UFPB, na cidade universitária. O autor da mensagem afirma que esta imagem é da “pomba-gira” e diz: “nao é preciso falar muita sobre a pomba gira, basta dizer que os pactos com satanás iniciam-se assim: “salve pomba-gira, maria padilha, rainha das 7 encruzilhadas...” percebam que o número sete aparece no pacto com satanás”.
A coisa mais criativa que vi no e-mail foi a foto com a lâmpada do poste passando bem no olho do cavalo. Bem, o nome verdadeiro da escultura é “Cavaleiro Alado”, de Wilson Figueiredo, e não tem nada a ver com a “pomba-gira”, mas sim com a mitologia grega, presente no mito de Perseu e Medusa, simbolizando a imortalidade.
A mensagem ainda acusa Ricardo de instalar um monumento que constitui um verdadeiro culto a Satanás na Lagoa do Parque Solon de Lucena, com várias imagens satânicas. Esta imagem representaria a ascensão de satanás e a derrota das milícias celestes, além de entronizar Satanás. O autor do e-mail visualiza tridentes lateralmente que, segundo ele, representam a maneira como o diabo segura e fere fortemente suas vítimas. Ainda há pessoas que acreditam que Satanás aparece com tridente na mão.
Esta escultura chamada “A Pedra do Reino”, na verdade, é uma homenagem ao escritor paraibano Ariano Suassuna que escreveu o romance “A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, sendo uma obra do artista plástico Miguel dos Santos. A escultura tem elementos das várias obras do renomado escritor, como “O Auto da Compadecida” e “A Pedra do Reino”, utilizando gravuras desenhadas pelo próprio Ariano em seus livros.
Por fim, o e-mail acusa Ricardo de ter construído uma estátua em frente ao Bessa Shopping que representaria a queda dos anjos de Deus. A escultura é chamada de “Revoar” e é do artista paraibano Luiz Barroso. Segundo ele, a escultura teve essa forma escolhida para representar um pássaro na evolução coreográfica do seu vôo, que ora nos remete a estar emergindo da terra rumo ao infinito, ora surge do infinito para encontrar seu repouso na terra, representando o ciclo da vida. Dependendo do ponto de vista, pode-se observar que a figura da ave confunde-se com a do corpo humano, traduzindo a dimensão simbiótica que permeia toda a composição. O bico aberto simboliza o canto daqueles que não se deixam calar perante as dificuldades e, numa outra interpretação, o elo existente entre dois corpos num aperto de mão ou num abraço. Como se vê, todas as esculturas são de artistas paraibanos, como forma de valorizar a arte de nossa terra.
Enfim, o final dessa história todo mundo já sabe. Em reportagem do Jornal O Norte de 11 de Outubro de 2010, página 03, foi notícia a operação da Polícia Federal e da Justiça Eleitoral na tarde do último domingo (10) que apreendeu folhetos apócrifos contendo calúnias contra o candidato Ricardo Coutinho (PSB), associando-o ao satanismo. O proprietário de uma gráfica que presta serviços ao Governo do Estado foi detido juntamente com seu filho e dois funcionários. A Polícia Federal investiga a autoria do folheto.
Em reportagem ao site Paraíba Urgente (www.paraibaurgente.com.br), jornalista descobre no Orkut quem fez os panfletos ligando Ricardo ao satanismo. Segundo o jornalista Bruno de Lima, jovens que participam do movimento “Conexão 15”, que manifestam apoio ao candidato José Maranhão (PMDB), montaram a armação. O mais impressionante, sobretudo para nós crentes, é o atestado de que somos considerados massa de manobra por essas pessoas, conforme postagem em tópico da comunidade do Orkut, cujo trecho transcrevo a seguir:
Quem fez esse esquema do pacto foi um amigo meu, ..., aqui de Solânea. Ele odeia Ricardo Coutinho. Ele faz parte do Blog de Igreja e fez para desmoralizar Ricardo, mas, que ficou bem feito, ficou. Mas vamos divulgar, pois tem muito evangélico que acredita. Aqui mesmo já teve três que não votam mais em Ricardo”.
Prefiro não comentar. Só a título de informação, o único Blog que divulgou esse e-mail na internet retirou a postagem repentinamente, quando seu moderador descobriu a intervenção da Polícia Federal e da Justiça Eleitoral na investigação do caso.
Os crentes que divulgaram essa mensagem, ainda que sem querer fazer o mal, engoliram no seco uma mentira e participaram de sua promoção, tornando-se sujeitos de conduta vedada na legislação eleitoral e promovendo intolerância religiosa, prática esta que não cabe em um país laico como o nosso.
Falo dos crentes, pois sou parte desse grupo, embora me envergonhe disso nessas horas, pois creio que nosso comportamento diante desses fatos deve ser marcado por sobriedade, lucidez e justiça, não nos deixando levar pela onda de desespero que repentinamente tomou conta do nosso Estado por causa de uma bela resposta das urnas no primeiro turno.
Nas grandes cidades de nosso Estado, onde a consciência política é mais apurada e a prática da compra de votos não é determinante, o povo da Paraíba apontou para o rompimento com o atraso, com a política velha, com o coronelismo, com o apadrinhamento político e com a mentira. No silêncio consciente perante a urna, o eleitor paraibano desmoralizou as pesquisas e neutralizou o uso da máquina pública e do mais despudorado esquema de aliciamento eleitoral que jamais tivemos notícia no nosso Estado.
O candidato Ricardo Coutinho já se pronunciou sobre as acusações no seu guia eleitoral dessa quarta (14), falando da importância de se viver um cristianismo prático e não de boca pra fora usando o nome de Deus em vão. Concluiu seu discurso citando as palavras de Jesus “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Mas o que mais me chamou atenção foi a seguinte afirmação: Eu sou cristão e não uso o nome de Deus em vão e nunca usei a religião para tentar conseguir voto. [...] Como [os adversários] não têm nada do que questionar da minha vida, negam a minha religião”. De fato, ele demonstrou mais respeito ao nome de Deus do que muita gente.
Eu creio que os evangélicos podiam (novamente) ter ficado sem essa!
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FONTES: