quinta-feira, 14 de outubro de 2010

DEMONIZAÇÃO DE CANDIDATOS



A intolerância religiosa e a afronta à democracia.
Queridos leitores, quero mais uma vez escrever e refletir sobre o comportamento de muitos cristãos no processo eleitoral que estamos vivendo. Infelizmente, outra vez sou impulsionado a escrever como resposta ao que tenho acompanhado com tristeza na Internet. Como disse no texto anterior, o que mais tem me impressionado nessas eleições é o comportamento de muitos crentes e igrejas no contexto nacional e estadual, praticando terrorismo gospel e demonização de candidatos.
Tenho dito a alguns amigos que nunca em minha vida me envolvi tanto em uma eleição como desta vez. Primeiramente, o meu envolvimento é reflexo natural da minha consciência política e da prática da cidadania, porém, o diferencial para mim tem sido o combate que tenho feito a factóides políticos, a denúncia contra a demonização de candidatos e o repúdio à propagação de mentiras por muitos crentes. Tenho sido impulsionado pelo senso de justiça que mora em meu ser. Orgulho-me de ter em meu peito a bater um coração que me confere a coragem de ter voz profética semelhante à de Lutero, bem como me alegro por ter uma mente livre e convicta que imprime força às palavras que escrevo tal como Calvino.
É inspirado no testemunho desses dois grandes nomes da história do protestantismo, homens dignos que não se renderam à mentira, antes a enfrentaram na defesa da verdade ainda que isso lhes custasse a vida, é que registro minha indignação pelo que tenho visto no comportamento de muitos crentes que se tornaram massa de manobra de propagação de mentiras nessas eleições.
Sou grato a Deus pelo apoio recebido de vários amigos, crentes ou não, que até chegaram a me pedir que escrevesse estas palavras. Essas pessoas que não se rendem nem se vendem, que não abrem mão de seus mais valiosos princípios cristãos por interesses secundários (e até corruptos), pessoas que entendem que dependem do Senhor e não da “peixada” do governo, são uma inspiração constante para mim na defesa da verdade.
Pois bem. Desta vez o mais novo factóide diz respeito à suposta consagração da cidade de João Pessoa a Satanás que teria sido feita pelo candidato ao governo do Estado pela Coligação “Por Uma Nova Paraíba”, o ex-prefeito Ricardo Coutinho. O fato é que foram produzidos panfletos caluniosos, tendo sido distribuídos em vários bairros e igrejas na capital de nosso Estado com o seguinte título: Todos sabem, e já não é novidade que Ricardo Coutinho consagrou João Pessoa a Satanás, num terreiro de macumba”.
Não bastassem os folhetos, logo este material foi amplamente propagado na internet, principalmente por pessoas evangélicas. Diga-se de passagem, muitos desses propagadores nunca enviaram para ninguém alguma reflexão da verdade bíblica, mas não sei o porquê de tanto interesse em divulgar essa mentira (aliás, até suspeito...). Outros, porém, acompanharam a onda da propagação sem perceber o que estavam fazendo. Alguns destes até chegaram a enviar outro e-mail apontando o caráter calunioso do referido texto e pedindo desculpas. Isso é o mínimo que se espera de pessoas que procuram pautar suas vidas com a verdade.
Antes de tratar sobre o conteúdo da mensagem, sinto-me obrigado a dizer que me sentiria envergonhado de propagar uma porcaria dessas que, além de tudo, é horrivelmente mal redigida ao passo que fulmina as regras básicas de ortografia, sintaxe e regência, além de “assassinar” a teologia bíblica. Como se não bastasse, o texto termina com uma recomendação super interessante: Oração de São Miguel Arcanjo – Importante fazê-la após ler o e-mail”.
Meu Deus, que contradição! Muitos crentes batem, batem e batem nos católicos romanos em defesa cega de sua religião, chamando-os de pagãos e de idólatras. Agora, fico a pensar em uma coisa: Por que, para defender claramente interesses políticos, apelamos para a oração de São Miguel Arcanjo? Com todo respeito ao catolicismo romano, não entendi essa dos crentes! Quer dizer... acho que entendi! Em jogo sujo vale tudo para se atingir o final desejado.
Mas não é só isso! Não bastasse o texto ter assassinado a língua portuguesa e a teologia bíblica junto, a mente brilhante que o produziu não o assinou. Ao fazer isso, esta criatura simplesmente cometeu o crime eleitoral de encaminhar e-mail apócrifo com calúnias contra candidato, prestando um desserviço ao processo democrático e transgredindo, inclusive, o Art. 5º, IV, da Constituição Federal e os artigos 57-C, 57-D e 57-E da Lei nº 12.034/2009, conduta esta passível de denúncia à Procuradoria Geral Eleitoral, para aplicação das sanções devidas. Diga-se de passagem, o verdadeiro autor do texto não teve a coragem de assiná-lo, mas ainda assim, mesmo sem averiguar a veracidade das informações, muitos crentes não apenas assinaram em baixo, como também enviaram o e-mail para todo mundo.
Em síntese, o e-mail traz algumas acusações. A primeira delas diz respeito ao suposto fato que Ricardo teria consagrado João Pessoa a Satanás, tendo sido postada uma foto dele sentado na mesa com representantes de religiões africanas.
Pesquisando a origem da foto é possível verificarmos que não foi produzida em um terreiro de macumba, mas sim em uma sala de aula de uma escola municipal por ocasião de evento comemorativo ao dia da consciência negra, no qual participaram lideranças da cultura e religião negras. É possível identificar na foto a presença de professores que participam do movimento negro da Paraíba, como o Prof. Lucio Flávio. Ricardo Coutinho, como prefeito da cidade, participou institucionalmente do evento, como a própria atividade de governante de uma sociedade plural lhe exige.
Sobre este assunto, muito bem falou em seu texto “Satanismo Teocrático”, o Excelentíssimo Procurador do Trabalho, Dr. Eduardo Varandas, de quem tive o prazer de ser aluno, ao afirmar que: “Primeiramente, um candidato a governador, independente do seu credo, tem que saber dialogar com todas as religiões, sem preconceito e sem discriminação. O fato de o candidato sentar-se à mesa com babalorixás e ialorixás não significa nada além da mentalidade aberta para ouvir os clamores de um segmento do povo para o qual pretende governar. Depois, lembrem os cristãos xiitas de que o respeito é uma forma de amor, e amar ao próximo independentemente de seu credo não é uma faculdade, é uma ordenança divina”.
O e-mail continua com as acusações no sentido de afirmar que Ricardo Coutinho teria assumido o compromisso de colocar estátuas pagãs (do Diabo) em entroncamentos de João Pessoa, num total de sete, por ser o número de Satanás. Bem, eu aprendi na salinha de crianças da Escola Bíblica Dominical que o número sete é freqüentemente usado nas Escrituras para significar inteireza e/ou perfeição e não o número do Satanás! Parece-me que na mente de alguns, é melhor acreditar nessa heresia do que no ensino bíblico.
Segundo o e-mail, Ricardo teria iniciado a construção de estátuas em João Pessoa para “materializar a consagração da nossa Capital paraibana a satanás. E, a primeira estátua colocada por Ricardo Coutinho tinha que ser o PORTEIRO DO INFERNO, que representa aquele que não precisa de chaves para entrar no Inferno”.
A obra apelidada de “Porteiro do Inferno” é uma escultura em metal fundido criada na década de 1960, cuja autoria é do premiado artista plástico campinense Jackson Ribeiro. A escultura se chama apenas "O Porteiro" e o acréscimo no nome foi dado pelo poeta Virgínius da Gama e Melo, por achar a obra tão feia que mais parecia (no seu modo de ver) o porteiro do inferno.
A escultura foi instalada em 1967 num canteiro entre o templo da Primeira Igreja Batista e o Liceu Paraibano, tendo sido retirada para uma reforma e colocada no Espaço Cultural, sendo finalmente colocada no contorno da UFPB na entrada do Castelo Branco, onde repousa atualmente.
O e-mail continua alegando que a escultura “Infeliz das Costas Ocas” teria sido construída na entrada do Bairro de Mangabeira. Na verdade, o nome da escultura é As Bênçãos a Nossa Senhora das Neves, de Marco Aurélio Damasceno. A escultura retrata uma imagem católica e fica no trajeto de procissões tradicionais da cidade.
O e-mail ainda afirma que Ricardo teria colocado a escultura “cavalo do cão” em um contorno da UFPB, na cidade universitária. O autor da mensagem afirma que esta imagem é da “pomba-gira” e diz: “nao é preciso falar muita sobre a pomba gira, basta dizer que os pactos com satanás iniciam-se assim: “salve pomba-gira, maria padilha, rainha das 7 encruzilhadas...” percebam que o número sete aparece no pacto com satanás”.
A coisa mais criativa que vi no e-mail foi a foto com a lâmpada do poste passando bem no olho do cavalo. Bem, o nome verdadeiro da escultura é “Cavaleiro Alado”, de Wilson Figueiredo, e não tem nada a ver com a “pomba-gira”, mas sim com a mitologia grega, presente no mito de Perseu e Medusa, simbolizando a imortalidade.
A mensagem ainda acusa Ricardo de instalar um monumento que constitui um verdadeiro culto a Satanás na Lagoa do Parque Solon de Lucena, com várias imagens satânicas. Esta imagem representaria a ascensão de satanás e a derrota das milícias celestes, além de entronizar Satanás. O autor do e-mail visualiza tridentes lateralmente que, segundo ele, representam a maneira como o diabo segura e fere fortemente suas vítimas. Ainda há pessoas que acreditam que Satanás aparece com tridente na mão.
Esta escultura chamada “A Pedra do Reino”, na verdade, é uma homenagem ao escritor paraibano Ariano Suassuna que escreveu o romance “A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, sendo uma obra do artista plástico Miguel dos Santos. A escultura tem elementos das várias obras do renomado escritor, como “O Auto da Compadecida” e “A Pedra do Reino”, utilizando gravuras desenhadas pelo próprio Ariano em seus livros.
Por fim, o e-mail acusa Ricardo de ter construído uma estátua em frente ao Bessa Shopping que representaria a queda dos anjos de Deus. A escultura é chamada de “Revoar” e é do artista paraibano Luiz Barroso. Segundo ele, a escultura teve essa forma escolhida para representar um pássaro na evolução coreográfica do seu vôo, que ora nos remete a estar emergindo da terra rumo ao infinito, ora surge do infinito para encontrar seu repouso na terra, representando o ciclo da vida. Dependendo do ponto de vista, pode-se observar que a figura da ave confunde-se com a do corpo humano, traduzindo a dimensão simbiótica que permeia toda a composição. O bico aberto simboliza o canto daqueles que não se deixam calar perante as dificuldades e, numa outra interpretação, o elo existente entre dois corpos num aperto de mão ou num abraço. Como se vê, todas as esculturas são de artistas paraibanos, como forma de valorizar a arte de nossa terra.
Enfim, o final dessa história todo mundo já sabe. Em reportagem do Jornal O Norte de 11 de Outubro de 2010, página 03, foi notícia a operação da Polícia Federal e da Justiça Eleitoral na tarde do último domingo (10) que apreendeu folhetos apócrifos contendo calúnias contra o candidato Ricardo Coutinho (PSB), associando-o ao satanismo. O proprietário de uma gráfica que presta serviços ao Governo do Estado foi detido juntamente com seu filho e dois funcionários. A Polícia Federal investiga a autoria do folheto.
Em reportagem ao site Paraíba Urgente (www.paraibaurgente.com.br), jornalista descobre no Orkut quem fez os panfletos ligando Ricardo ao satanismo. Segundo o jornalista Bruno de Lima, jovens que participam do movimento “Conexão 15”, que manifestam apoio ao candidato José Maranhão (PMDB), montaram a armação. O mais impressionante, sobretudo para nós crentes, é o atestado de que somos considerados massa de manobra por essas pessoas, conforme postagem em tópico da comunidade do Orkut, cujo trecho transcrevo a seguir:
Quem fez esse esquema do pacto foi um amigo meu, ..., aqui de Solânea. Ele odeia Ricardo Coutinho. Ele faz parte do Blog de Igreja e fez para desmoralizar Ricardo, mas, que ficou bem feito, ficou. Mas vamos divulgar, pois tem muito evangélico que acredita. Aqui mesmo já teve três que não votam mais em Ricardo”.
Prefiro não comentar. Só a título de informação, o único Blog que divulgou esse e-mail na internet retirou a postagem repentinamente, quando seu moderador descobriu a intervenção da Polícia Federal e da Justiça Eleitoral na investigação do caso.
Os crentes que divulgaram essa mensagem, ainda que sem querer fazer o mal, engoliram no seco uma mentira e participaram de sua promoção, tornando-se sujeitos de conduta vedada na legislação eleitoral e promovendo intolerância religiosa, prática esta que não cabe em um país laico como o nosso.
Falo dos crentes, pois sou parte desse grupo, embora me envergonhe disso nessas horas, pois creio que nosso comportamento diante desses fatos deve ser marcado por sobriedade, lucidez e justiça, não nos deixando levar pela onda de desespero que repentinamente tomou conta do nosso Estado por causa de uma bela resposta das urnas no primeiro turno.
Nas grandes cidades de nosso Estado, onde a consciência política é mais apurada e a prática da compra de votos não é determinante, o povo da Paraíba apontou para o rompimento com o atraso, com a política velha, com o coronelismo, com o apadrinhamento político e com a mentira. No silêncio consciente perante a urna, o eleitor paraibano desmoralizou as pesquisas e neutralizou o uso da máquina pública e do mais despudorado esquema de aliciamento eleitoral que jamais tivemos notícia no nosso Estado.
O candidato Ricardo Coutinho já se pronunciou sobre as acusações no seu guia eleitoral dessa quarta (14), falando da importância de se viver um cristianismo prático e não de boca pra fora usando o nome de Deus em vão. Concluiu seu discurso citando as palavras de Jesus “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Mas o que mais me chamou atenção foi a seguinte afirmação: Eu sou cristão e não uso o nome de Deus em vão e nunca usei a religião para tentar conseguir voto. [...] Como [os adversários] não têm nada do que questionar da minha vida, negam a minha religião”. De fato, ele demonstrou mais respeito ao nome de Deus do que muita gente.
Eu creio que os evangélicos podiam (novamente) ter ficado sem essa!
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FONTES:

sábado, 2 de outubro de 2010

Os eleitos de Deus e as Eleições



Uma reflexão sobre o deplorável comportamento de alguns crentes nas eleições.
“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as proezas daquele que vos chamou das trevas para a maravilhosa luz” (1 Pe 2:9).
Nesse domingo milhões de brasileiros estarão indo às urnas para elegerem seus representantes. As eleições desse ano são muito importantes, pois estaremos elegendo deputados estaduais, deputados federais, dois senadores, o governador do Estado e o Presidente da República.
Uma coisa, porém, chamou-me atenção nessas eleições: o deplorável comportamento dos crentes. Em toda parte e, principalmente na internet, os evangélicos protagonizaram as cenas mais ridículas que já vi. A velha prática dos currais eleitorais ganhou sua versão “gospel” através da invenção de factóides de cunho eleitoreiro propagados nos púlpitos das igrejas e através de e-mails por todo o país.
Foi muito triste ver pastores sérios sendo ludibriados por empregados comissionados de governos corruptos, caindo no papo mentiroso de “crentes” e levando para o púlpito de igrejas a prática que chamo de “demonização de candidatos” visando fazer com que a igreja não vote em candidato A ou B. Diga-se de passagem, segundo a Lei 9.504/97 que estabelece normas para as eleições, bem como a Resolução n. 22.718/2008 do TSE - Tribunal Superior Eleitoral, é vedada a propaganda eleitoral, manifestação de apoio ou agravo a candidatos em igrejas. Ora, isso é lógico, uma vez que a igreja é plural e não pode prestar este desserviço e desrespeito à democracia e ao povo.
Conversei bastante com várias pessoas amigas de diversas igrejas por estes dias e percebi a indignação de muitos em relação à postura de suas próprias igrejas ou de outras igrejas conhecidas. Fiquei triste ao ver alguns irmãos constrangidos por acharem que estavam pecando por querer votar em um candidato que não era o mesmo do pastor. Indignei-me ao ver Caio Fábio e Silas Malafaia trocando farpas e fazendo ameaças um ao outro no Youtube porque um inicialmente apoiava Marina e depois disse que votaria no Serra.
Acompanhei com tristeza inúmeros e-mails com factóides absurdos do tipo: candidato Fulano vai fechar as igrejas”, “candidato Sicrano é ateu”, “Fulano dos Anzóis compareceu em marcha gay...”. Enfim, acabei sendo mais uma vez vítima da internet ao enviar para alguns amigos um e-mail que dizia que a candidata Dilma havia dito que nem Cristo, querendo, tiraria-lhe o mandato. Não voto na Dilma, mas procurei as fontes da informação e (pasmem!) não encontrei tal notícia em nenhum órgão de comunicação sério, nenhum vídeo ou gravação de áudio existe, nenhum repórter assinou a notícia. Só encontrei a informação em Blogs evangélicos, no Twwiter e no Orkut. Essa mentira criada por crentes foi propagada por milhões de evangélicos pelo Brasil, muitos deles enganados (como eu mesmo).
No plano estadual tive o desprazer de ver igrejas se transformando em verdadeiros “currais eleitorais gospel” ao demonizar candidato A por ter comparecido institucionalmente em um evento gay. Ora, esse mesmo candidato compareceu em Cultos evangélicos (inclusive como patrocinador), missas, procissões e eventos dos mais diversos segmentos da sociedade, como a própria atividade de governante de uma sociedade plural lhe exige.
Basta ser criado um factóide que os evangélicos adoram propagá-lo. E aí surgem os absurdos do tipo Fulano dos Anzóis quer tomar as igrejas evangélicas.... Quando vamos averiguar a informação de maneira séria e imparcial, deparamo-nos com a fiscalização legítima do Estado em relação a doações irregulares de terrenos públicos que, portanto, pertencem a toda sociedade e não a um segmento em particular. O Poder público não pode "tomar" nenhum bem imóvel sem obedecer a legislação pertinente.
Eu mesmo, como advogado, acompanhei o processo de uma determinada igreja evangélica em caso semelhante. O processo ajuizado pelo Ministério Público através da Curadoria do Patrimônio visava averiguar possíveis irregularidades na doação de área urbana onde se instalava a igreja. Como a documentação estava completamente regular e o terreno estava cumprindo sua função social, o processo foi arquivado normalmente.
Por outro lado, tenho notícia de um terreno que foi doado a uma igreja evangélica em área nobre em João Pessoa e meses depois estava lá funcionando uma concessionária de automóveis! O terreno foi resgatado legitimamente ao Poder Público e hoje está abrigando a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento de Saúde que beneficiará milhares de pessoas! Que coisa, não?
Outro exemplo que tenho conhecimento ocorreu no Castelo Branco (em João Pessoa) onde foi construída uma igreja católica no centro de uma praça. A obra está sendo questionada na Justiça, mas o mais interessante é que os crentes desse bairro estão amando a idéia da obra ser embargada só por se tratar de uma igreja católica. Que juízes iníquos nós somos! Vivemos em um país laico e com direitos e liberdades iguais para todos, mas quando “pisam no nosso calo” nós reclamamos, porém, com os outros podem fazer o que tiver de pior. Infelizmente é assim que somos. Será que Jesus também usava dois pesos e duas medidas?
Concordo plenamente com o Pastor Joelson Gomes, meu amigo e editor do Blog GRAÇA PLENA (http://gracaplena.blogspot.com/2010/09/terrorismo-gospel.html), quando escreve sobre o que chamou de terrorismo gospel nessas eleições. É essa imbecilidade que muitos crentes têm protagonizado nessas eleições, comportando-se de forma deplorável e imunda, bem diferente dos padrões bíblicos.
É preciso entendermos que vivemos em um país laico, ou seja, que não possui uma religião oficial, portanto, não adianta querermos impor tudo o que está na Bíblia para as leis de nosso país, pois assim como temos liberdade de manifestação de pensamento e de crença, como cláusulas pétreas da Constituição Federal; os macumbeiros, espíritas, umbandistas também possuem!
As leis e o poder em uma democracia emanam do povo e são o reflexo das mudanças sociais. Não é preciso conhecer a Ciência Política e as liçoes de Maquiavel para entendermos que a ética da política e a moral da religião são coisas diferentes. Quando se misturam essas duas éticas, o resultado não é nada saudável. Como cristão sou totalmente contra determinadas leis que se opõem à moral cristã, mas sou consciente de que em algum momento elas poderão ser aprovadas. Porém, é preciso entendermos que pelas garantias constitucionais que temos, nem tudo o que se quer aprovar atualmente será de fato aprovado, pois muito do que se quer aprovar com lei não está em consonância com a Constituição Federal.
Outro absurdo é votar em candidatos apenas por sua religião. A própria cartilha eleitoral da APEP (Associação de Pastores Evangélicos do Estado da Paraíba), seguindo a legislação eleitoral, recomenda que não devemos votar em determinado candidato só pelo fato dele se afirmar evangélico. Devemos sim averiguar o compromisso público e a conduta do candidato, pois muitas vezes os crentes são os primeiros a estarem no rol de corruptos dos principais escândalos na política brasileira.
Como muito bem citou o supramencionado Pastor Joelson em seu texto, não pensemos que elegendo Marina o Brasil se transformará em uma hiper igreja evangélica, que não haverá legalização do aborto ou união de homossexuais. A própria Marina é contra essas coisas por suas convicções pessoais, mas também é consciente de que vivemos em um país laico e já informou que estas são questões dignas de consulta através do instrumento próprio, a saber, um plebiscito.
O que quero dizer é que não quero votar em Marina apenas por ela ser evangélica e, ao mesmo tempo, não estarei pecando em votar em outro candidato que não seja evangélico. É essa consciência atrasada que combato. Quero votar em quem acredito que reúne os atributos que julgo importantes a um governante. Ora, veja comigo como somos contraditórios: quando procuramos um cardiologista queremos o melhor currículo (talvez até com medo de morrermos). Alguma vez nos importamos se o médico que escolhemos é evangélico? Será que obrigatoriamente tenho que ir a um médico evangélico? De modo algum. É lógico que preferimos que o seja, porém não vamos deixar de contratar alguém apenas por sua religião.
Ademais, o “terrorismo gospel” nas eleições tem se esquecido das garantias constitucionais que possuímos. Nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos IV e VI nos garante o seguinte: IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; e o VI – É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e as suas liturgias. Essas são garantias que nos asseguram proteção na Lei Maior de nosso país. Por outro lado, penso que se houvesse maior perseguição à igreja brasileira, certamente não conviveríamos com tamanhas heresias de movimentos que se chamam evangélicos. A qualidade dos crentes seria melhor.
É interessante que no texto citado preliminarmente, o apóstolo Pedro discorre sobre a finalidade da vocação divina nas nossas vidas. Pedro afirma que fomos eleitos (grego eklektos = “eleito”) para proclamarmos amplamente as proezas daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz. Se essa proclamação não acontecer, a vocação fracassa. O povo de Deus existe para que proclame amplamente as proezas de seu Senhor. A palavra grega para proeza (areté) tem muitas facetas. A antiga tradução de Lutero traz o sentido de “virtude”. O fato é que fomos eleitos para proclamarmos quem Deus é, quais são os Seus feitos, Seus atributos, como Ele se comporta e que implicações isso tem em nossas vidas como seus arautos. A proposta de santificação é exatamente nos despirmos do velho homem e nos revestirmos do novo homem, vivendo um cristianismo prático.
Infelizmente o que percebo é que em época de eleições nós nos esquecemos de nossa vocação e nos comportamos de forma totalmente diversa. Esquecemos do dever de falarmos a verdade e até inventamos mentiras; não conhecemos a Bíblia, mas sabemos de cor as propostas de nossos candidatos; às vezes relutamos para dar carona a um irmão, mas gastamos litros de combustível em carreatas; esquecemos de evangelizar pessoas, mas fazemos de tudo para conquistarmos mais um voto para um candidato de nossa preferência; deixamos de entoar louvores, mas decoramos jingles de campanhas... Não que seja pecado a participação ativa na cidadania, pelo contrário, a própria Bíblia nos ensina a sermos cidadãos exemplares.O erro está em darmos prioridade a tudo isso de forma a esquecermos de nossa vocação desprezando os nossos princípios.
Errado é participarmos de um momento tão importante como as eleições protagonizando escândalos e realizando os mais diversos crimes eleitorais. Que nessas eleições, os eleitos de Deus se lembrem de sua vocação. Que não passemos em BRANCO, que apertemos a tecla CORRIGE em relação aos nossos erros, para que não se CONFIRME o nosso fracasso em relação à nossa vocação.