Uma reflexão sobre o deplorável comportamento de alguns crentes nas eleições.
“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as proezas daquele que vos chamou das trevas para a maravilhosa luz” (1 Pe 2:9).
Nesse domingo milhões de brasileiros estarão indo às urnas para elegerem seus representantes. As eleições desse ano são muito importantes, pois estaremos elegendo deputados estaduais, deputados federais, dois senadores, o governador do Estado e o Presidente da República.
Uma coisa, porém, chamou-me atenção nessas eleições: o deplorável comportamento dos crentes. Em toda parte e, principalmente na internet, os evangélicos protagonizaram as cenas mais ridículas que já vi. A velha prática dos currais eleitorais ganhou sua versão “gospel” através da invenção de factóides de cunho eleitoreiro propagados nos púlpitos das igrejas e através de e-mails por todo o país.
Foi muito triste ver pastores sérios sendo ludibriados por empregados comissionados de governos corruptos, caindo no papo mentiroso de “crentes” e levando para o púlpito de igrejas a prática que chamo de “demonização de candidatos” visando fazer com que a igreja não vote em candidato A ou B. Diga-se de passagem, segundo a Lei 9.504/97 que estabelece normas para as eleições, bem como a Resolução n. 22.718/2008 do TSE - Tribunal Superior Eleitoral, é vedada a propaganda eleitoral, manifestação de apoio ou agravo a candidatos em igrejas. Ora, isso é lógico, uma vez que a igreja é plural e não pode prestar este desserviço e desrespeito à democracia e ao povo.
Conversei bastante com várias pessoas amigas de diversas igrejas por estes dias e percebi a indignação de muitos em relação à postura de suas próprias igrejas ou de outras igrejas conhecidas. Fiquei triste ao ver alguns irmãos constrangidos por acharem que estavam pecando por querer votar em um candidato que não era o mesmo do pastor. Indignei-me ao ver Caio Fábio e Silas Malafaia trocando farpas e fazendo ameaças um ao outro no Youtube porque um inicialmente apoiava Marina e depois disse que votaria no Serra.
Acompanhei com tristeza inúmeros e-mails com factóides absurdos do tipo: “candidato Fulano vai fechar as igrejas”, “candidato Sicrano é ateu”, “Fulano dos Anzóis compareceu em marcha gay...”. Enfim, acabei sendo mais uma vez vítima da internet ao enviar para alguns amigos um e-mail que dizia que a candidata Dilma havia dito que nem Cristo, querendo, tiraria-lhe o mandato. Não voto na Dilma, mas procurei as fontes da informação e (pasmem!) não encontrei tal notícia em nenhum órgão de comunicação sério, nenhum vídeo ou gravação de áudio existe, nenhum repórter assinou a notícia. Só encontrei a informação em Blogs evangélicos, no Twwiter e no Orkut. Essa mentira criada por crentes foi propagada por milhões de evangélicos pelo Brasil, muitos deles enganados (como eu mesmo).
No plano estadual tive o desprazer de ver igrejas se transformando em verdadeiros “currais eleitorais gospel” ao demonizar candidato A por ter comparecido institucionalmente em um evento gay. Ora, esse mesmo candidato compareceu em Cultos evangélicos (inclusive como patrocinador), missas, procissões e eventos dos mais diversos segmentos da sociedade, como a própria atividade de governante de uma sociedade plural lhe exige.
Basta ser criado um factóide que os evangélicos adoram propagá-lo. E aí surgem os absurdos do tipo “Fulano dos Anzóis quer tomar as igrejas evangélicas...”. Quando vamos averiguar a informação de maneira séria e imparcial, deparamo-nos com a fiscalização legítima do Estado em relação a doações irregulares de terrenos públicos que, portanto, pertencem a toda sociedade e não a um segmento em particular. O Poder público não pode "tomar" nenhum bem imóvel sem obedecer a legislação pertinente.
Eu mesmo, como advogado, acompanhei o processo de uma determinada igreja evangélica em caso semelhante. O processo ajuizado pelo Ministério Público através da Curadoria do Patrimônio visava averiguar possíveis irregularidades na doação de área urbana onde se instalava a igreja. Como a documentação estava completamente regular e o terreno estava cumprindo sua função social, o processo foi arquivado normalmente.
Por outro lado, tenho notícia de um terreno que foi doado a uma igreja evangélica em área nobre em João Pessoa e meses depois estava lá funcionando uma concessionária de automóveis! O terreno foi resgatado legitimamente ao Poder Público e hoje está abrigando a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento de Saúde que beneficiará milhares de pessoas! Que coisa, não?
Outro exemplo que tenho conhecimento ocorreu no Castelo Branco (em João Pessoa) onde foi construída uma igreja católica no centro de uma praça. A obra está sendo questionada na Justiça, mas o mais interessante é que os crentes desse bairro estão amando a idéia da obra ser embargada só por se tratar de uma igreja católica. Que juízes iníquos nós somos! Vivemos em um país laico e com direitos e liberdades iguais para todos, mas quando “pisam no nosso calo” nós reclamamos, porém, com os outros podem fazer o que tiver de pior. Infelizmente é assim que somos. Será que Jesus também usava dois pesos e duas medidas?
Concordo plenamente com o Pastor Joelson Gomes, meu amigo e editor do Blog GRAÇA PLENA (http://gracaplena.blogspot.com/2010/09/terrorismo-gospel.html), quando escreve sobre o que chamou de terrorismo gospel nessas eleições. É essa imbecilidade que muitos crentes têm protagonizado nessas eleições, comportando-se de forma deplorável e imunda, bem diferente dos padrões bíblicos.
É preciso entendermos que vivemos em um país laico, ou seja, que não possui uma religião oficial, portanto, não adianta querermos impor tudo o que está na Bíblia para as leis de nosso país, pois assim como temos liberdade de manifestação de pensamento e de crença, como cláusulas pétreas da Constituição Federal; os macumbeiros, espíritas, umbandistas também possuem!
As leis e o poder em uma democracia emanam do povo e são o reflexo das mudanças sociais. Não é preciso conhecer a Ciência Política e as liçoes de Maquiavel para entendermos que a ética da política e a moral da religião são coisas diferentes. Quando se misturam essas duas éticas, o resultado não é nada saudável. Como cristão sou totalmente contra determinadas leis que se opõem à moral cristã, mas sou consciente de que em algum momento elas poderão ser aprovadas. Porém, é preciso entendermos que pelas garantias constitucionais que temos, nem tudo o que se quer aprovar atualmente será de fato aprovado, pois muito do que se quer aprovar com lei não está em consonância com a Constituição Federal.
Outro absurdo é votar em candidatos apenas por sua religião. A própria cartilha eleitoral da APEP (Associação de Pastores Evangélicos do Estado da Paraíba), seguindo a legislação eleitoral, recomenda que não devemos votar em determinado candidato só pelo fato dele se afirmar evangélico. Devemos sim averiguar o compromisso público e a conduta do candidato, pois muitas vezes os crentes são os primeiros a estarem no rol de corruptos dos principais escândalos na política brasileira.
Como muito bem citou o supramencionado Pastor Joelson em seu texto, não pensemos que elegendo Marina o Brasil se transformará em uma hiper igreja evangélica, que não haverá legalização do aborto ou união de homossexuais. A própria Marina é contra essas coisas por suas convicções pessoais, mas também é consciente de que vivemos em um país laico e já informou que estas são questões dignas de consulta através do instrumento próprio, a saber, um plebiscito.
O que quero dizer é que não quero votar em Marina apenas por ela ser evangélica e, ao mesmo tempo, não estarei pecando em votar em outro candidato que não seja evangélico. É essa consciência atrasada que combato. Quero votar em quem acredito que reúne os atributos que julgo importantes a um governante. Ora, veja comigo como somos contraditórios: quando procuramos um cardiologista queremos o melhor currículo (talvez até com medo de morrermos). Alguma vez nos importamos se o médico que escolhemos é evangélico? Será que obrigatoriamente tenho que ir a um médico evangélico? De modo algum. É lógico que preferimos que o seja, porém não vamos deixar de contratar alguém apenas por sua religião.
Ademais, o “terrorismo gospel” nas eleições tem se esquecido das garantias constitucionais que possuímos. Nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos IV e VI nos garante o seguinte: IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; e o VI – É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e as suas liturgias. Essas são garantias que nos asseguram proteção na Lei Maior de nosso país. Por outro lado, penso que se houvesse maior perseguição à igreja brasileira, certamente não conviveríamos com tamanhas heresias de movimentos que se chamam evangélicos. A qualidade dos crentes seria melhor.
É interessante que no texto citado preliminarmente, o apóstolo Pedro discorre sobre a finalidade da vocação divina nas nossas vidas. Pedro afirma que fomos eleitos (grego eklektos = “eleito”) para proclamarmos amplamente as proezas daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz. Se essa proclamação não acontecer, a vocação fracassa. O povo de Deus existe para que proclame amplamente as proezas de seu Senhor. A palavra grega para proeza (areté) tem muitas facetas. A antiga tradução de Lutero traz o sentido de “virtude”. O fato é que fomos eleitos para proclamarmos quem Deus é, quais são os Seus feitos, Seus atributos, como Ele se comporta e que implicações isso tem em nossas vidas como seus arautos. A proposta de santificação é exatamente nos despirmos do velho homem e nos revestirmos do novo homem, vivendo um cristianismo prático.
Infelizmente o que percebo é que em época de eleições nós nos esquecemos de nossa vocação e nos comportamos de forma totalmente diversa. Esquecemos do dever de falarmos a verdade e até inventamos mentiras; não conhecemos a Bíblia, mas sabemos de cor as propostas de nossos candidatos; às vezes relutamos para dar carona a um irmão, mas gastamos litros de combustível em carreatas; esquecemos de evangelizar pessoas, mas fazemos de tudo para conquistarmos mais um voto para um candidato de nossa preferência; deixamos de entoar louvores, mas decoramos jingles de campanhas... Não que seja pecado a participação ativa na cidadania, pelo contrário, a própria Bíblia nos ensina a sermos cidadãos exemplares.O erro está em darmos prioridade a tudo isso de forma a esquecermos de nossa vocação desprezando os nossos princípios.
Errado é participarmos de um momento tão importante como as eleições protagonizando escândalos e realizando os mais diversos crimes eleitorais. Que nessas eleições, os eleitos de Deus se lembrem de sua vocação. Que não passemos em BRANCO, que apertemos a tecla CORRIGE em relação aos nossos erros, para que não se CONFIRME o nosso fracasso em relação à nossa vocação.
4 comentários:
Otimo, parabens.
Realmente, André, você está cheio de razão!
Parabéns pelo artigo!
André, você está de parabéns.
Meu irmão, eu creio na soberania de Deus. A história é escrita por Ele. Por mais que o homem tente mudá-la, no final de tudo a resposta vem do Senhor. Todas as coisas foram feitas por Ele e nada do que foi feito se fez. Todas as promessas do Senhor se cumprirão. O que temos a fazer? Verdadeiramente devemos glorificá-lo, amá-lo, honrá-lo e serví-lo. Fique na Paz do Senhor Jesus Cristo!
Realmente, tenho que tirar o chapeu para este comentário.
Parabéns!
Pr. Manuel Gomes da Silva
Picuí / C. Grande / A.Grande
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