Antes da paixão de
Jesus, ele prometeu que o Pai enviaria a seus discípulos outro Consolador ou
Parácleto (gr. Parakletos, que
significa o que dá auxílio). Este é um ajudador, conselheiro, fortalecedor,
encorajador, aliado e advogado. Segundo Packer[1], a
expressão outro indica que Jesus foi
o primeiro Parácleto e está agora prometendo o segundo, um substituto, que após
a sua partida continuará o ensino e o testemunho que ele havia iniciado.
O ministério do
Parácleto é, por sua própria natureza, um ministério relacional e pessoal. O
antigo testamento embora tenha dito muito sobre a atividade do Espírito Santo
na Criação, na revelação, na capacitação para o serviço e na renovação
interior, por outro lado não deixa claro que o Espírito Santo é uma pessoa divina
distinta, ficando esta verdade mais límpida no Novo Testamento quando, na manhã
de Pentecostes, o ministério do Espírito Santo passa a se mostrar de forma
plena.
De fato, como comenta
Millard Erickson, “a obra do Espírito Santo é de especial interesse para os
cristãos, pois é particularmente por seu trabalho que Deus se envolve de forma
pessoal e atua na vida do crente”[2]. O
fato é que, comumente é difícil identificar o Espírito Santo dentro do Antigo Testamento,
uma vez que este reflete os primeiros estágios da revelação progressiva. O
termo ‘Espírito Santo’ é raramente
empregado nele que traz normalmente a expressão “Espírito de Deus” que por sua vez não evidencia a existência de uma pessoa distinta.
A
obra do Espírito Santo no Antigo Testamento
Há várias áreas importantes de atuação do Espírito Santo no Antigo
Testamento, doravante denominado AT
no presente estudo. A obra contínua de Deus na criação á atribuída ao Espírito
Santo, a transmissão das profecias e da Escritura, a transmissão de certas
habilidades necessárias para várias tarefas e até na administração, como
ocorreu com José quando o mesmo foi elogiado por Faraó que reconheceu a
presença do Espírito de Deus na vida de José (Gn. 41:38).
Segundo Donald Guthrie:
O papel exercido pelo Espírito Santo na ordem criada é
focalizado, particularmente, na narrativa da criação, na qual o mover do
Espírito de Deus produziu a ordem a partir do caos (Gn. 1:2). Como a mesma
palavra (rûah) é usada tanto para
“Espírito” quanto para “vento”, a ideia comunica o poderoso, quase violento,
movimento do Espírito. A continuação do papel desempenhado pelo Espírito como a
fonte da vida humana é repetida em Gênesis 6:3 (“Meu espírito agirá sempre no
homem”), e um pensamento semelhante é expresso em Jó 27:3 (“enquanto em mim
estiver a minha vida, e o sopro [rûah]
de Deus nos teus narizes”). Em duas outras passagens de Jó, alega-se que o
sopro do Todo-Poderoso está no homem (Jó 32.8;33.4). Há uma clara conexão entre
o espírito do homem e o Espírito de Deus, mas a ideia predominante é que a
própria vida humana é atribuída a Deus. Não somente isso, mas a atividade
continuada do Espírito nos cuidados providenciais de Deus com as pessoas também
é refletida no Salmo 104.29,30 e, em relação à criação, em Isaías 40.7. Em
outras palavras, há fortes fundamentos para afirmar que, no AT, a atividade de
Deus no mundo das coisas e dos homens é geralmente mediada pelo Espírito de
Deus. Esse aspecto dinâmico do Espírito é inevitável em nossa abordagem à
evidência bíblica e deve dar cor à nossa compreensão da evidência do NT[3].
É inegável que um
aspecto essencial do Espírito Santo no AT no que tange aos homens é a sua
capacitação com poderes especiais, intelectuais, artísticos, dentre outros. No
período dos juízes, por exemplo, a atividade do Espírito Santo na vida dos
juízes lhe conferiam esse ofício como um dom carismático que os equipava para
cumprir sua missão.
Quando Saul se tornou
rei, ele foi possuído pelo Espírito (1 Sm. 11.6). A extensão de seu erro foi
representada pelo afastamento do Espírito Santo dele. Nesse ponto, Saul não
poderia mais cumprir a sua missão real de forma adequada. O Espírito de Deus
veio poderosamente sobre o sucessor de Saul, a saber, Davi, quando Samuel o
ungiu (1 Sm. 16.13). É mais um exemplo no AT de que a capacidade de liderança
no caso é um dom carismático conferido pelo Espírito Santo.
No ofício profético a
obra do Espírito Santo se mostra particularmente relevante. Ezequiel, Miquéias,
Zacarias e os demais profetas eram conscientes que o Espírito de Deus os enchia
lhes dando as palavras do Senhor. Há, de fato, uma relação estreita entre a
Palavra e o Espírito no pensamento do AT. Os pronunciamento do Senhor a
respeito do destino do seu povo podem ser considerados como mensagens do
Espírito.
Comentando sobre a
atividade redentiva do Espírito Santo no AT, Donald Guthrie afirma que “há uma
concepção da atividade redentiva do Espírito que é de especial importância como
um prelúdio para o testemunho do NT, e ela está relacionada com o Messias
prometido[4].
Como dito, é mais
particularmente nos profetas que ocorre a atividade individual do Espírito, não
tanto em atos de poder, mas no campo da comunicação. No entanto, os próprios
profetas também visualizaram o derramamento do Espírito de um modo corporativo,
como por exemplo, em Ezequiel 37, na visão do vale de ossos secos. A mensagem ali contida é que o Senhor fará reviver o seu povo através da eficácia da palavra profética (v. 4 ) e com a força vivificante do seu espírito (v. 5 ). Vejamos que os ossos secos que representam o desalento e a desesperança dos israelitas no exílio, ganham vida por
meio da atividade do Espírito de Deus, em virtude do que uma multidão
extremamente numerosa apareceu, representando simbolicamente, de fato, toda a casa de Israel vivificada. Nesse
caso, a atividade do Espírito é descrita em termos do sopro de Deus (rûah).
Em relação às variadas
manifestações do Espírito Santo no AT, Donald Guthrie comenta:
Diante da ampla variedade de
maneiras nas quais o Espírito operou no AT, não é surpreendente que uma
amplitude semelhante da atividade do Espírito seja encontrada no NT. Surge a
questão, contudo, se a concepção neotestamentária do Espírito é um fenômeno
totalmente novo ou se pode ser considerada como uma continuação e um
desenvolvimento da concepção veterotestamentária[5].
Uma observação
interessante sobre o tema é o que Millard Erickson[6]
chama a atenção no sentido que o Espírito Santo não é apenas visto em
incidentes dramáticos como nos líderes nacionais e heróis de guerras, antes,
porém, ele estava intrinsecamente ligado à vida espiritual do povo de Israel.
Nesse sentido ele é mencionado como o “bom Espírito”.
O AT retrata o Espírito
Santo produzindo as qualidades morais e espirituais de santidade e bondade na
pessoa a quem chega ou em quem habita. É de se notar, por oportuno, que a
embora em alguns casos essa atuação interna do Espírito Santo pareça
permanente, em outros casos como no Juízes, sua presença parece intermitente e
atrelada a uma atividade ou a um ministério específico que deve ser exercido.
No testemunho do AT
acerca do Espírito Santo, há o anuncio de um tempo em que o seu ministério será
mais completo. Parte disso se relaciona com a vinda do Messias sobre quem o
Espírito deve repousar. É interessante como Jesus cita os versículos iniciais
do capítulo 61 do profeta Isaías e indica que eles estão sendo cumpridos em sua
pessoa. A promessa de uma atuação corporativa e plena se dá em Joel 2.28,29,
citada por Pedro como embasamento de cumprimento no dia de Pentecostes.
Sobre o assunto,
preleciona Abraham Kuyper nos seguintes termos:
No começo nós descobrimos somente uma
manifestação 'exterior' de certos dons. Para Sansão Ele concede grande força
física. Aoliabe e Bezaleel são dotados com talento artístico para construir o
tabernáculo. Josué é enriquecido com gênio militar. Estas operações não tocaram
o centro da alma, e não eram salvadoras, mas meramente externas. Elas tornam-se
mais duradouras quando assumem um caráter oficial como em Saul; embora nele
encontremos a melhor evidência do fato de que elas são somente externas e
temporais. Assumem um caráter mais elevado quando recebem o selo profético;
embora o exemplo dos balsameiros (II Samuel 5:23-25; I Crônicas 14:13-15) nos
mostra que mesmo assim elas não penetram até o centro da alma, mas afetam só
afetam o homem exteriormente.Mas no Antigo Testamento também houve operação
interna em crentes. Israelitas creram e foram salvos. Assim é que eles devem
ter recebido graça salvadora. E desde que a existência da graça salvadora está
fora de questão se não houver um operar interno do Espírito Santo, segue-se que
Ele foi o Operador da fé em Abraão, tanto quanto em nós mesmos.A diferença
entre as duas formas de operação é aparente. Uma pessoa que tenha sido
trabalhada externamente pode enriquecer-se de dons e talentos exteriores,
enquanto que espiritualmente ela permanece tão pobre como nunca. Ou, havendo
recebido os dons interiores de regeneração, ela pode estar privada de cada dom
e talento que adorna o homem de forma exterior[7].
Semelhantemente,
Wayne Grudem critica a restrição que se costuma fazer em relação à atuação do
Espírito Santo no AT nos seguintes termos:
Antes de encerrar a
discussão sobre a capacitação pelo Espírito Santo no Antigo Testamento, devemos
observar que às vezes se diz que não havia nenhuma obra do Espírito Santo dentro das pessoas no Antigo Testamento.
Essa ideia tem sido inferida principalmente das palavras de Jesus aos
discípulos em João 14.17: “... ele habita convosco e estará em vós”. Mas não devemos concluir desse
versículo que não havia nenhuma obra do Espírito Santo no interior das pessoas
antes do Pentecostes. Embora o Antigo Testamento não fale com frequência de
pessoas que tinham dentro de si o Espírito Santo ou que dele tinham plenitude,
existem uns poucos exemplos: Josué é
descrito como homem que tem o Espírito (Nm 27.18; Dt 34.9), assim como Ezequiel
(Ez. 2.2;3.24), Daniel (Dn 4.8-9, 18; 5.11) e Miquéias (Mq 3.8)[8].
O fato é que, o
Espírito Santo no AT muitas vezes capacitou pessoas para serviço especial. Ele
também protegeu o povo e capacitou-o para vencer seus inimigos, como no êxodo
e, mais tarde, no retorno do exílio, protegendo e guardando o povo do medo (Ag.
2.5). Por fim, o AT predisse o tempo em que o Espírito Santo ungiria um
Messias-Servo em grande plenitude e poder (Is. 11.1-3).
Conclusão
Como visto, o AT revela muito sobre a atividade do
Espírito Santo na criação, na revelação, na concessão de poder e na renovação
interior. Coube ao Novo Testamento revelar claramente o Espírito como uma
distinta Pessoa da divindade, coigual ao Pai e ao Filho. O Espírito fala,
ensina, testemunha, perscruta e intercede. Todos esses atos são próprios de uma
pessoa. O Espírito dá ao povo de Deus aquilo que esse povo precisa para servir
ao Senhor (1 Co 12.4-11). O pleno ministério do Espírito se deu a partir do
Pentecostes em cumprimento de uma promessa feita no AT e como marca da era
final da história do mundo.
[3] GUTHRIE, Donald, Teologia do novo testamento – São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p.
515.
[4] Idem, p. 517.
[5] Idem, nota 3, p. 518.
[6] Op. Cit., nota 2.
[7] Internet: Disponível em
http://www.monergismo.com/livros2/kuyper/whs/010.htm, acesso em 19/06/2012.
[8] GRUDEM, Wayne A., Teologia sistemática – São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 533.
2 comentários:
Olá, irmão Andre. Sou pastor reformado e gostaria de receber permissão para utilizar parte desse estudo maravilhoso em nossa igreja.
Um abraço e Deus continue te abençoando.
Pr. Cleilson, fico agradecido com a visita. Pode usar sim o estudo! Paz!
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