quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Espírito Santo no Antigo Testamento

Antes da paixão de Jesus, ele prometeu que o Pai enviaria a seus discípulos outro Consolador ou Parácleto (gr. Parakletos, que significa o que dá auxílio). Este é um ajudador, conselheiro, fortalecedor, encorajador, aliado e advogado. Segundo Packer[1], a expressão outro indica que Jesus foi o primeiro Parácleto e está agora prometendo o segundo, um substituto, que após a sua partida continuará o ensino e o testemunho que ele havia iniciado.
O ministério do Parácleto é, por sua própria natureza, um ministério relacional e pessoal. O antigo testamento embora tenha dito muito sobre a atividade do Espírito Santo na Criação, na revelação, na capacitação para o serviço e na renovação interior, por outro lado não deixa claro que o Espírito Santo é uma pessoa divina distinta, ficando esta verdade mais límpida no Novo Testamento quando, na manhã de Pentecostes, o ministério do Espírito Santo passa a se mostrar de forma plena.
De fato, como comenta Millard Erickson, “a obra do Espírito Santo é de especial interesse para os cristãos, pois é particularmente por seu trabalho que Deus se envolve de forma pessoal e atua na vida do crente”[2]. O fato é que, comumente é difícil identificar o Espírito Santo dentro do Antigo Testamento, uma vez que este reflete os primeiros estágios da revelação progressiva. O termo ‘Espírito Santo’ é raramente empregado nele que traz normalmente a expressão “Espírito de Deus” que por sua vez não evidencia a existência de uma pessoa distinta.

A obra do Espírito Santo no Antigo Testamento

            Há várias áreas importantes de atuação do Espírito Santo no Antigo Testamento, doravante denominado AT no presente estudo. A obra contínua de Deus na criação á atribuída ao Espírito Santo, a transmissão das profecias e da Escritura, a transmissão de certas habilidades necessárias para várias tarefas e até na administração, como ocorreu com José quando o mesmo foi elogiado por Faraó que reconheceu a presença do Espírito de Deus na vida de José (Gn. 41:38).
           
Segundo Donald Guthrie:

O papel exercido pelo Espírito Santo na ordem criada é focalizado, particularmente, na narrativa da criação, na qual o mover do Espírito de Deus produziu a ordem a partir do caos (Gn. 1:2). Como a mesma palavra (rûah) é usada tanto para “Espírito” quanto para “vento”, a ideia comunica o poderoso, quase violento, movimento do Espírito. A continuação do papel desempenhado pelo Espírito como a fonte da vida humana é repetida em Gênesis 6:3 (“Meu espírito agirá sempre no homem”), e um pensamento semelhante é expresso em Jó 27:3 (“enquanto em mim estiver a minha vida, e o sopro [rûah] de Deus nos teus narizes”). Em duas outras passagens de Jó, alega-se que o sopro do Todo-Poderoso está no homem (Jó 32.8;33.4). Há uma clara conexão entre o espírito do homem e o Espírito de Deus, mas a ideia predominante é que a própria vida humana é atribuída a Deus. Não somente isso, mas a atividade continuada do Espírito nos cuidados providenciais de Deus com as pessoas também é refletida no Salmo 104.29,30 e, em relação à criação, em Isaías 40.7. Em outras palavras, há fortes fundamentos para afirmar que, no AT, a atividade de Deus no mundo das coisas e dos homens é geralmente mediada pelo Espírito de Deus. Esse aspecto dinâmico do Espírito é inevitável em nossa abordagem à evidência bíblica e deve dar cor à nossa compreensão da evidência do NT[3].

É inegável que um aspecto essencial do Espírito Santo no AT no que tange aos homens é a sua capacitação com poderes especiais, intelectuais, artísticos, dentre outros. No período dos juízes, por exemplo, a atividade do Espírito Santo na vida dos juízes lhe conferiam esse ofício como um dom carismático que os equipava para cumprir sua missão.
Quando Saul se tornou rei, ele foi possuído pelo Espírito (1 Sm. 11.6). A extensão de seu erro foi representada pelo afastamento do Espírito Santo dele. Nesse ponto, Saul não poderia mais cumprir a sua missão real de forma adequada. O Espírito de Deus veio poderosamente sobre o sucessor de Saul, a saber, Davi, quando Samuel o ungiu (1 Sm. 16.13). É mais um exemplo no AT de que a capacidade de liderança no caso é um dom carismático conferido pelo Espírito Santo.
No ofício profético a obra do Espírito Santo se mostra particularmente relevante. Ezequiel, Miquéias, Zacarias e os demais profetas eram conscientes que o Espírito de Deus os enchia lhes dando as palavras do Senhor. Há, de fato, uma relação estreita entre a Palavra e o Espírito no pensamento do AT. Os pronunciamento do Senhor a respeito do destino do seu povo podem ser considerados como mensagens do Espírito.
Comentando sobre a atividade redentiva do Espírito Santo no AT, Donald Guthrie afirma que “há uma concepção da atividade redentiva do Espírito que é de especial importância como um prelúdio para o testemunho do NT, e ela está relacionada com o Messias prometido[4].
Como dito, é mais particularmente nos profetas que ocorre a atividade individual do Espírito, não tanto em atos de poder, mas no campo da comunicação. No entanto, os próprios profetas também visualizaram o derramamento do Espírito de um modo corporativo, como por exemplo, em Ezequiel 37, na visão do vale de ossos secos. A mensagem ali contida é que o Senhor  fará reviver o seu povo através da eficácia da palavra profética (v.  4 ) e com a força vivificante do seu espírito (v.  5 ). Vejamos que os ossos secos que representam o desalento e a desesperança dos israelitas no exílio, ganham vida por meio da atividade do Espírito de Deus, em virtude do que uma multidão extremamente numerosa apareceu, representando simbolicamente, de fato, toda a casa de Israel vivificada. Nesse caso, a atividade do Espírito é descrita em termos do sopro de Deus (rûah).
Em relação às variadas manifestações do Espírito Santo no AT, Donald Guthrie comenta:

Diante da ampla variedade de maneiras nas quais o Espírito operou no AT, não é surpreendente que uma amplitude semelhante da atividade do Espírito seja encontrada no NT. Surge a questão, contudo, se a concepção neotestamentária do Espírito é um fenômeno totalmente novo ou se pode ser considerada como uma continuação e um desenvolvimento da concepção veterotestamentária[5].

Uma observação interessante sobre o tema é o que Millard Erickson[6] chama a atenção no sentido que o Espírito Santo não é apenas visto em incidentes dramáticos como nos líderes nacionais e heróis de guerras, antes, porém, ele estava intrinsecamente ligado à vida espiritual do povo de Israel. Nesse sentido ele é mencionado como o “bom Espírito”.
O AT retrata o Espírito Santo produzindo as qualidades morais e espirituais de santidade e bondade na pessoa a quem chega ou em quem habita. É de se notar, por oportuno, que a embora em alguns casos essa atuação interna do Espírito Santo pareça permanente, em outros casos como no Juízes, sua presença parece intermitente e atrelada a uma atividade ou a um ministério específico que deve ser exercido.
No testemunho do AT acerca do Espírito Santo, há o anuncio de um tempo em que o seu ministério será mais completo. Parte disso se relaciona com a vinda do Messias sobre quem o Espírito deve repousar. É interessante como Jesus cita os versículos iniciais do capítulo 61 do profeta Isaías e indica que eles estão sendo cumpridos em sua pessoa. A promessa de uma atuação corporativa e plena se dá em Joel 2.28,29, citada por Pedro como embasamento de cumprimento no dia de Pentecostes.
Sobre o assunto, preleciona Abraham Kuyper nos seguintes termos:

No começo nós descobrimos somente uma manifestação 'exterior' de certos dons. Para Sansão Ele concede grande força física. Aoliabe e Bezaleel são dotados com talento artístico para construir o tabernáculo. Josué é enriquecido com gênio militar. Estas operações não tocaram o centro da alma, e não eram salvadoras, mas meramente externas. Elas tornam-se mais duradouras quando assumem um caráter oficial como em Saul; embora nele encontremos a melhor evidência do fato de que elas são somente externas e temporais. Assumem um caráter mais elevado quando recebem o selo profético; embora o exemplo dos balsameiros (II Samuel 5:23-25; I Crônicas 14:13-15) nos mostra que mesmo assim elas não penetram até o centro da alma, mas afetam só afetam o homem exteriormente.Mas no Antigo Testamento também houve operação interna em crentes. Israelitas creram e foram salvos. Assim é que eles devem ter recebido graça salvadora. E desde que a existência da graça salvadora está fora de questão se não houver um operar interno do Espírito Santo, segue-se que Ele foi o Operador da fé em Abraão, tanto quanto em nós mesmos.A diferença entre as duas formas de operação é aparente. Uma pessoa que tenha sido trabalhada externamente pode enriquecer-se de dons e talentos exteriores, enquanto que espiritualmente ela permanece tão pobre como nunca. Ou, havendo recebido os dons interiores de regeneração, ela pode estar privada de cada dom e talento que adorna o homem de forma exterior[7].

            Semelhantemente, Wayne Grudem critica a restrição que se costuma fazer em relação à atuação do Espírito Santo no AT nos seguintes termos:

Antes de encerrar a discussão sobre a capacitação pelo Espírito Santo no Antigo Testamento, devemos observar que às vezes se diz que não havia nenhuma obra do Espírito Santo dentro das pessoas no Antigo Testamento. Essa ideia tem sido inferida principalmente das palavras de Jesus aos discípulos em João 14.17: “... ele habita convosco e estará em vós”. Mas não devemos concluir desse versículo que não havia nenhuma obra do Espírito Santo no interior das pessoas antes do Pentecostes. Embora o Antigo Testamento não fale com frequência de pessoas que tinham dentro de si o Espírito Santo ou que dele tinham plenitude, existem uns poucos exemplos:  Josué é descrito como homem que tem o Espírito (Nm 27.18; Dt 34.9), assim como Ezequiel (Ez. 2.2;3.24), Daniel (Dn 4.8-9, 18; 5.11) e Miquéias (Mq 3.8)[8].

O fato é que, o Espírito Santo no AT muitas vezes capacitou pessoas para serviço especial. Ele também protegeu o povo e capacitou-o para vencer seus inimigos, como no êxodo e, mais tarde, no retorno do exílio, protegendo e guardando o povo do medo (Ag. 2.5). Por fim, o AT predisse o tempo em que o Espírito Santo ungiria um Messias-Servo em grande plenitude e poder (Is. 11.1-3).

Conclusão

Como visto, o AT revela muito sobre a atividade do Espírito Santo na criação, na revelação, na concessão de poder e na renovação interior. Coube ao Novo Testamento revelar claramente o Espírito como uma distinta Pessoa da divindade, coigual ao Pai e ao Filho. O Espírito fala, ensina, testemunha, perscruta e intercede. Todos esses atos são próprios de uma pessoa. O Espírito dá ao povo de Deus aquilo que esse povo precisa para servir ao Senhor (1 Co 12.4-11). O pleno ministério do Espírito se deu a partir do Pentecostes em cumprimento de uma promessa feita no AT e como marca da era final da história do mundo.



[1] PACKER, James innell, Teologia consisa – 2.ed. – São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 129.
[2] ERICKSON, Millard J., Introdução à teologia sistemática – São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 351.
[3] GUTHRIE, Donald, Teologia do novo testamento – São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 515.
[4] Idem, p. 517.
[5] Idem, nota 3, p. 518.
[6] Op. Cit., nota 2.
[7] Internet: Disponível em http://www.monergismo.com/livros2/kuyper/whs/010.htm, acesso em 19/06/2012.
[8] GRUDEM, Wayne A., Teologia sistemática – São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 533.

2 comentários:

Pr. Cleilson disse...

Olá, irmão Andre. Sou pastor reformado e gostaria de receber permissão para utilizar parte desse estudo maravilhoso em nossa igreja.
Um abraço e Deus continue te abençoando.

André Bronzeado disse...

Pr. Cleilson, fico agradecido com a visita. Pode usar sim o estudo! Paz!