terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Lei da Palmada e a Bíblia



A aprovação por unanimidade do Projeto de Lei n. 2.654/2003, conhecido popularmente como “Lei da Palmada”, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados em dezembro de 2011, fez surgir uma nova polêmica entre fé e legislação no Brasil, dividindo a opinião de especialistas, religiosos, pais e líderes de organizações de defesa dos direitos das crianças. De fato, o assunto é polêmico e desperta discussão. Afinal, até que ponto vai a liberdade dos pais em educar os seus filhos? Será que repreensão física na infância pode deixar um exemplo negativo para a criança? E como ficam as recomendações bíblicas de disciplina aos filhos?

            A conhecida “Lei da Palmada” dispõe sobre a alteração da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2001, o Código Civil, estabelecendo o direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos. Ou seja, a Lei proibirá qualquer castigo físico contra crianças e adolescentes, ainda que sobre o pretexto educativo.

            Atualmente, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que é a lei vigente, cita apenas "maus-tratos" como conduta punível, e não especifica quais castigos não podem ser aplicados pelos pais ou responsáveis. Alguns especialistas afirmam que a aprovação da nova lei gera uma desautorização da família sobre a educação dos filhos. Segundo o texto encaminhado ao Congresso Nacional, “castigo corporal” pode ser compreendido como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão". A polêmica reside justamente nesse ponto, uma vez que se incluem nessa realidade aquelas “palmadas pedagógicas” que são comuns na disciplina e educação dos filhos e que com a aprovação da lei seriam proibidas.

            No âmbito da religião, as discussões em torno do tema tiveram início na própria Câmara dos Deputados quando da análise do texto legal. É que para aprovar a medida, a relatora do projeto de lei, a deputada Teresa Surita (PMDB-RR), concordou em alterar seu parecer e substituir a expressão "castigo corporal" por "castigo físico". Parlamentares da bancada evangélica impediram a votação do projeto em uma das sessões por defenderem a substituição da expressão "castigo corporal" por "agressão física". O objetivo seria evitar a ideia de que a lei proibiria qualquer tipo de punição ou de limites a meninos e meninas. A troca do termo por "agressão física" gerou críticas da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e de movimentos sociais que apoiavam o texto original, com "castigo corporal". A bancada evangélica entendeu que a expressão “castigo corporal” interferia na educação dos filhos. Ao final, houve um acordo para que fosse incluída a expressão "castigo físico".

            Ainda assim, desde a aprovação da Lei, muitos líderes religiosos têm se manifestado veementemente contra o conteúdo da nova lei. A insatisfação se dá sob o argumento de que a lei é uma ingerência excessiva do Estado sobre as decisões individuais no que tange à educação dos filhos, além de contrariar preceitos bíblicos de educação familiar. Ademais, para muitos especialistas, uma “palmadinha” de leve e na hora certa, não tem problema. Esse tipo de repreensão serve para mostrar que há autoridade, regras e limites a serem respeitados na relação entre pais e filhos.
           
Dentro da polêmica, porém, é imprescindível observarmos algumas questões que não podem ser esquecidas. Primeiramente os extremos devem ser evitados nessa discussão. A lei tem uma razão de existir e não pode ser de todo desprezada. É só olharmos para as estatísticas nacionais de violência contra a criança e então entenderemos a razão de ser da lei. No Brasil, os direitos das crianças são muito desrespeitados; as garantias legais não são observadas, portanto, é de extrema importância uma lei que pretenda tornar mais efetiva a proteção à criança em face de tanta violência. O mais lamentável é que a realidade é bem pior do que os números que aparecem nas estatísticas, já que apenas 2% dos casos de violência ocorridos dentro das famílias são denunciados à polícia.
           
 Por outro lado, é de se analisar a aplicabilidade prática dessa lei nas famílias. Nesse ponto concordo com a filósofa e educadora Tania Zagury, autora dos livros “Limites sem trauma” e “Educar sem culpa”, que apesar de ser contrária à palmada, não economiza críticas ao projeto de lei. Na opinião dela, a lei é redundante, invasiva e inócua. “Na verdade, discordo de se fazer disso uma lei, o que não significa que eu aprove a palmada. (...) Mas considero que a lei é uma ingerência excessiva do Estado sobre as decisões individuais. Claro que não estamos falando de espancamento. A agressão física é passível de processo e julgamento, seja no filho, na esposa, no vizinho” - comenta, referindo-se ao Código Penal.
           
 E o que de fato diz a lei? Pois bem, a Lei da Palmada tem por escopo modificar o art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o artigo 1.634 do Código Civil Brasileiro. Só para citar os dispositivos mais importantes, temos in verbis:

Art. 18-A (ECA) – A criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de atendimento público ou privado ou em locais públicos.

Art. 1634 (Cógigo Civil) – Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: (...) VII. Exigir, sem o uso de força física, moderada ou imoderada, que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
            
É de se verificar que, a aplicação ao extremo desses novos dispositivos pode fazer surgir uma geração que não se submete a limites, que não respeita regras e que não valoriza a disciplina. Numa sociedade tão liberal e permissiva como a nossa, a palavra “disciplina” não soa tão bem, enquanto que a palavra “liberdade” é reverenciada e isso tem repercussão direta na educação dos filhos, além de refletir diretamente na formação da sociedade como um todo. Essa maneira de educar, no entanto, tem feito psicólogos e orientadores refletirem, baseados nos resultados negativos obtidos.
           
Como cristãos, é preciso refletirmos sobre um problema que vai bem mais além que as discussões polêmicas geradas com a lei em questão. Assim como para sermos cristãos genuínos devemos observar o exemplo de Jesus Cristo e assumirmos os seus valores em nossas condutas, do mesmo modo é preciso observarmos como anda o nosso exemplo como cristãos e de que maneira temos influenciado os nossos filhos, familiares e amigos.
           
Muitos casais se frustram na educação de seus filhos por causa de suas próprias incoerências. O conflito entre o que é ensinado e o que é na prática leva os filhos a rejeitarem as técnicas educacionais dos pais. A falta de exemplo no ensinamento faz com que os pais percam a autoridade sobre seus filhos e, muitas vezes, provoca neles a ira, fato que também constitui uma desconformidade com as Escrituras (Ef. 6:4). É comum ver pais que não dão exemplos aos filhos e que os repreende com muita violência acreditando que assim estão os educando.
           
A Bíblia recomenda o uso de disciplina na educação dos filhos, mas isso não significa em hipótese alguma uso de violência. A disciplina, inclusive as palmadas pedagógicas, serve até certa fase da vida para impor limites, para pedagogicamente dizer com quem está a autoridade e quem traça as regras. A Bíblia inclusive ensina: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela” (Pv. 22:15). Aqui o texto bíblico não está promovendo violência ou espancamento, mas ensina uma verdade fundamental: as intenções do coração das crianças são tolas e estúpidas muitas vezes, mas o uso da disciplina irá afastá-las delas.
           
 Disciplina significa treinamento e correção. Deus corrige a quem ama e se nós amamos nossos filhos devemos também corrigi-los. Disciplina também significa imposição de limites, afinal qualquer liberdade sem limites é prejudicial para a própria pessoa e para outras. Quem não conhece limites se torna o principal inimigo de si mesmo. E principalmente, a firme e correta disciplina sempre terá resultados positivos, pois trará verdadeira sabedoria aos filhos.
           
O livro de Provérbios ensina: “A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar a sua mãe. (...) Corrige o teu filho, e te dará descanso, dará delícias à tua alma” (Pv. 29:15,17). E diz ainda: “Não retires da criança a disciplina, pois, se a fustigares com a vara, não morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno” (Pv. 23:13,14).
           
 O projeto de lei ainda precisa ser submetido ao Senado, porém, diante do exposto, cabe a nós enquanto cristãos, aproveitarmos o surgimento da nova lei para refletirmos acerca do nosso caráter, da nossa coerência com os preceitos do Senhor, da maneira como valorizamos a família, da maneira como educamos nossos filhos e do exemplo que somos para eles.

            A Bíblia é clara acerca das nossas responsabilidades em relação aos nossos filhos. A vara e a disciplina andam juntas e lhes dão sabedoria, não há nenhum erro em utilizar esses meios com amor, afinal, o uso da disciplina não é o mesmo que usar violência; isso é um erro. O que não podemos esquecer é que a disciplina tem que ser, sobretudo, pautada em princípios bíblicos e coerente com o exemplo de vida que passamos aos nossos filhos.

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Um comentário:

Renata Bronzeado disse...

André,achei muito interessante seu artigo. Para ficar mais completo é preciso vivenciar esse tema fazendo um "laboratorio"... tenha filhos!

Criar filhos não é fácil!
Quero sobrinhos!